A "força de vontade" na criação de hábitos

  • Apr 15, 2025

A "força de vontade" na criação de hábitos

  • José Sousa

A mudança de hábitos é usualmente associada a um processo de transformação que, em maior ou menor grau, implica um esforço consciente. Paradoxalmente, é justamente o conceito de esforço que constitui um dos maiores obstáculos a alcançarmos o que desejamos criar nas nossas vidas. Se imaginarmos que dispomos de uma energia “especial” para superar esses desafios, a que daremos o nome de “força de vontade”, a compreendermos e gerirmos da melhor forma, podemos contribuir para realizar a criação de novos hábitos com maior facilidade.

Para começar é importante recordar os três elementos-chave que tipicamente encontramos na(s) teoria(s) dos hábitos: a motivação, que podemos identificar como pré-disposição para iniciar e manter o novo comportamento; a habilidade, que influencia a percepção da capacidade que temos de liderar esse processo e que é reforçada pelo progresso realizado; e o gatilho, ou a pista que reconhecemos para iniciar o comportamento de forma automática. Se conseguirmos medir o peso de cada uma destas variáveis num determinado momento, podemos calcular (em termos relativos) a quantidade de “força de vontade” que será necessário para instalar um novo hábito. 

Cada um destes elementos tem a sua importância e especificidade que é importante aprofundar: a motivação gera uma energia positiva para agir quando antecipamos um resultado desejado. Tende a ser mais intensa no início do processo, porém, quando o elemento novidade perde força ou o progresso não corresponde às expectativas iniciais, tende a esgotar-se rapidamente. Quando tal acontece, começamos a recorrer em doses crescentes à “força de vontade” para compensar a perda da energia inicial da motivação.

Quando queremos aprender uma nova competência, seja esta programação, gestão, dança ou escrita, o entusiasmo inicial garante que sejam dados os primeiros passos embora, na medida em que avançamos, normalmente tomamos consciência de que ainda estamos longe e dessa forma o desanimo com progresso pode aumentar. Sem uma motivação forte para chegar ao destino, que torne claro a importância desta conquista, teremos uma dificuldade em navegar os períodos em que obtemos poucos resultados se comparados às expectativas iniciais.

Por sua vez, a habilidade tem uma natureza menos intensa mas mais consistente. Quando sentimos que estamos a fazer progressos, ainda que se trate de pequenos passos, a ação não só fica mais fácil de realizar mas também exerce uma influência positiva sobre a motivação. Para este elemento o segredo é dar visibilidade aos pequenos avanços que, pela minha experiência, tendemos a negligenciar quando perdemos noção do ponto de partida. A relação da habilidade com a “força de vontade” é dada pela utilização de quantidades moderadas desta energia, sendo para isso importante decompor grandes objetivos em outros mais pequenos e com ações fáceis de implementar. 

Se desejarmos tornar-nos leitores mais assíduos e regulares, podemos definir o objetivo de ler um livro por semana, ou simplesmente, iniciar a leitura de alguns parágrafos por dia. No primeiro caso, estamos a reduzir a probabilidade de sucesso pois estamos adiar a gratificação de ver resultados, enquanto no segundo podemos com maior facilidade concretizar o objetivo e verificar o progresso. Para o cérebro, cada ciclo de vontade e concretização, aumenta a percepção da habilidade e de sucesso, tornando mais fácil a próxima ação.

Os gatilhos, ou pistas que usamos para iniciar os comportamentos automáticos, são tão mais eficazes quando se tornam visíveis e previsíveis no momento em que os desejamos realizar. Se não pudermos contar com a sua presença, o esforço consciente e o uso da “força de vontade” precisarão de ser substancialmente maiores. Podemos fazer uma analogia com o despertador que, quando programado para uma hora específica, nos dá uma segurança de que iremos acordar na hora desejada, sem precisarmos de estar num estado de alerta permanente.

Quanto mais hábeis formos no desenho do contexto que possibilita a realização da ação, menos esforço precisamos para iniciar o comportamento. Este caso é particularmente importante quando pretendemos eliminar comportamentos pois, o fazer ou não fazer, são ambos hábitos e seguem as mesmas regras. Se, por exemplo, temos como intenção evitar alguns tipos de alimentos que consideramos menos saudáveis, compreendemos que quando estes não estão na nossa dispensa ou nos frigoríficos, a probabilidade do seu consumo é obviamente mais baixa.

Uma vez que a energia da “força de vontade” é bastante limitada e inconstante, é importante definir estratégias que utilizem outros mecanismos mais robustos para produzir os resultados desejados. De todos os elementos-chave que analisamos na criação de hábitos, aquele que na minha experiência tem gerado maior impacto é o desenho dos contextos que favorecem determinadas ações. Por contexto podemos entender sobretudo os físicos (o que está à nossa volta) e os sociais (as pessoas com quem passamos mais tempo).

Se pensarmos os espaços para que nos proporcionem pistas para determinados comportamentos, uma grande parte do trabalho está feito pois seremos estimulados para o que desejamos. Isto tanto se aplica quando queremos melhorar a condição física e preparamos antecipadamente o equipamento para que a inércia inicial seja fácil de vencer, como quando queremos produzir trabalho que requer profundidade e criatividade, eliminando distrações do espaço onde desenvolvemos essas atividades.

Socialmente, também as pessoas com quem passamos mais tempo nos influenciam com os seus comportamentos, que mais não são do que pistas para os nossos próprios comportamentos. Esta consciência e intencionalidade gera resultados bastante sólidos, pois acelera o processo de adoção dos hábitos e facilita a consistência com que os praticamos. De uma forma ou de outra, estaremos a escolher o que desejamos criar e a condicionar a facilidade com que o realizaremos.

Pensemos num curso de água, onde a nossas ações seguem a morfologia do terreno, procurando sempre o caminho de menor resistência. Ao tornarmos esse percurso mais fácil, estamos a orientar indiretamente essa energia para o que desejamos. Com esta analogia, deixo ao leitor o desafio de pensar quais os hábitos que deseja criar e refletir sobre como poderá, no plano físico e social, tornar o seu comportamento um processo mais simples e com maiores probabilidades de sucesso.

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